DEPOIMENTOS
“Estigmatizamos certos setores e isso as vezes faz com que trabalhar em conjunto seja mais difícil. Mas quando começamos a falar olhando para o futuro, a dificuldade é reduzida.”
Membro da equipe de cenários.
“Temos que saber quais são os ricos, as possibilidaes e as histórias possíveis que se contam sobre o futuro. Não é um exercício de previsão, mas para nos fazer compreender os fatores com os quais temos com que nos preocupar.”
Pedro Abramovay, OSF.

Alerta Democrático
Cenários sobre o Futuro da Democracia na América Latina

Panorama

A América Latina recebe o ano de 2015 em meio a uma encruzilhada. Não há um balanço evidente do progresso democrático da região. Segundo o Banco Mundial, de 70 a 90 milhões de pessoas superaram a pobreza na última década. Avançou-se muito nos fundamentos macroeconômicos e financeiros que garantem maior estabilidade, mas a produtividade continua sendo baixa, a dependência das exportações alta e um ciclo econômico positivo está chegando ao fim. A comunidade internacional destaca com frequência que os latino-americanos definitivamente deixaram para trás seu passado recente de ditaduras e autoritarismos e o substituíram por governos eleitos de forma democrática, praticamente em todos os seus países. Por sua vez, o fortalecimento da democracia está reconhecendo e demandando instrumentos e lideranças que interpelem as formas tradicionais e que tenham a capacidade para oferecer respostas aos novos desafios sociais, econômicos, políticos e ambientais.

O ALerta Democrático chega neste contexto. O processo de construção dos cenários para a América Latina se iniciou com a identificação de líderes influentes da região, representativos de diversos âmbitos da sociedade, como a política, a academia, o setor privado e a sociedade civil. Após seis meses de atividades com 37 desses líderes foram produzidos quatro cenários nomeados a partir dos possíveis estados da democracia no período entre 2015 e 2030: transformação, tensão, mobilização e agonia.

Histórico

O Instituto Reos convocou o projeto apoiado por três fundações internacionais: Fundación Avina, Fundação Ford e Open Society Foundations. O processo teve início em 2014 com o mapeamento de um grupo diverso de líderes com atuação na região. A partir deste mapeamento, 65 líderes latino-americanos foram entrevistados e 37 convidados a compor a equipe de cenários, que se reuniu em três oficinas de construção, realizadas no Brasil, na Colômbia e na Guatemala. Com os cenários definidos, a equipe desenhou uma fase de comunicação e difusão, que teve como centro a realização de três eventos simultâneos de disseminação, em setembro de 2015, na Bolívia, no Brasil e em Honduras. Outros eventos e oficinas aconteceram na região a partir deste impulso.

Desafios

Os desafios do projeto, e de seu contexto, estão ligados ao fato de que a sociedade em que vivemos hoje não é mais a sociedade da revolução industrial, para a qual as instituições democráticas foram forjadas – sobretudo ao longo dos séculos XIX e XX. As relações não são mais necessariamente mediadas por estruturas hierárquicas como partidos, sindicatos e associações. As relações diretas entre os cidadãos, a formação de agrupamentos ou clusters instáveis de interesses, a necessidade dos governos de buscar legitimidade constante para seus atos, combinadas com a comunicação de alta velocidade proporcionada pela internet, exigem uma mudança na forma com que se distribui o poder e se governa.

Os cenários

Democracia em Transformação   A América Latina experimenta uma demanda para a reformulação das instituições democráticas que permita superar os problemas estruturais mais urgentes e conquistar uma maior inserção da região no mapa global. Em um número crescente de países, são geradas as condições para que sejam as próprias instituições que promovam transformações de longo alcance em áreas críticas nas quais antes predominavam os interesses particulares. Os resultados são díspares segundo cada país da região, mas deixam evidente a demanda generalizada por um novo modelo de democracia mais pragmático que supere os limites dos esquemas tradicionais. Nesse contexto, alguns países demonstram que é possível superar gradualmente certas inércias estruturais que até agora impediam a redução da desigualdade e a violência e assim conseguir que as organizações fundamentais do Estado representem de forma genuína os interesses de uma sociedade diversa. É o cenário do fortalecimento da democracia na região e da inovação institucional.Democracia em Tensão   Neste cenário, continuam predominando as lógicas inerciais de concentração ou de reconcentração do poder político e econômico, em uma região que segue marcada por uma cultura política caudilhista, clientelista e com vícios autoritários. Em alguns países e sub-regiões, registram-se avanços sem precedentes em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais, mas sem alterar completamente o padrão de desenvolvimento concentrador nem as lógicas da corrupção e da violência, e ainda sob o patrocínio de esquemas de poder que apostam deliberadamente em subordinar as instituições democráticas. Alguns países atravessam crises políticas e se evidenciam em alguns casos retrocessos autoritários pontuais e alguns novos, com consequências graves para a construção institucional e o exercício dos direitos sociais. Em 15 anos se lamentam todas as oportunidades que a região continua desperdiçando para forjar genuínas democracias interculturais. A democracia na região perdurou, mas muito poucos estão satisfeitos com as formas como isso ocorreu. É o cenário da democracia em aparência, da tensão e das disputas de poder entre diversas forças políticas e econômicas e da frustração social.
Democracia em Mobilização   A mobilização social consolida sua capacidade de interpelar sobre a democracia e começa paulatinamente a promover transformações de toda índole e de distintos alcances. Fatores como o avanço permanente da inovação científica, o acesso mais amplo às novas tecnologias, a capacidade de articulação da diversidade e a compreensão dos efeitos negativos das agendas globais e regionais, somados à continuidade democática da região, geram uma prematura, porém concreta incidência em políticas públicas que garantem maior inclusão social. Dessa forma, a mobilização social deixa claro em múltiplos casos as limitações da democracia, da institucionalidade e dos alcances do estado nação. A comprovação de que as ações individuais e coletivas da sociedade, mais além da ação do Estado, geram mudanças sociais pontuais que, articuladas, podem se transformar em mudanças sistêmicas ou transformações de escala para solucionar problemas públicos específicos renova o modelo democrático tradicional ao combinar a lógica de representação política nas instituições com a lógica de legitimidade social na participação. Em particular, a organização de esquemas de cooperação horizontal com múltiplos atores conduz a um empoderamento social mais estendido e transparente. É o cenário da mobilização, da pressão e da criatividade popular frente ao poder tradicional.Democracia em Agonia   Neste cenário, a democracia se vê apropriada em boa parte da América Latina pela influência depredadora do comércio ilícito que prevalece sobre a ação do governo ou convive com ela. Os cidadãos oscilam entre o cinismo e em alguns casos a desesperança, em que o território é governado de fato pelo crime organizado que impõe força e mostra certa força de prosperidade temporal, e em outros casos o terror, em que o território se encontra em disputa. O sistema de tomada de decisões políticas se torna funcional a uma série de interesses opacos que disfarçam suas verdadeiras intenções detrás de imaginários e demandas cidadãs legítimas. A corrupção se consolida como o modus vivendi de políticos, empresários e criminosos de forma igual, que vivem e prosperam à sombra do Estado. As atividades ilícitas reconfiguram não só o monopólio do poder estatal como também a atividade empresarial legítima e as pautas de convivência em cidades e bairros. Três lustros de violência consolidam territórios fora do controle dos Estados nacionais e, ainda mais grave, alguns Estados falidos que a comunidade regional e internacional apenas trata de conter. O destino comum das democracias da região está em suspenso. É o cenário da violência, do medo, da sensação de derrota e do sequestro da democracia.

Resultados

Os cenários foram lançados em Washington DC na Organização dos Estados Americanos e subsequentemente em três eventos paralelos na Bolívia, Brasil e Honduras, em setembro de 2015. Os quatro lançamentos regionais tiveram participação total de mais de 600 pessoas e mobilizaram muitos ativistas pelas redes sociais, além de gerar forte presença na mídia com mais de 35 artigos publicados em veículos de comunicação de posicionamento político.

Os cenários também estiveram presentes em fóruns e seminários catalisadores de debate e de referência para o campo, tais como:

  • Reunião estratégica sobre América Latina com o Departamento de Estado dos Estados Unidos, Apresentação das narrativas para politólogos na Unicamp, em Campinas,
  • Grupo de Diálogo Latino-americano para Mineração, Democracia e Desenvolvimento Sustentável no Peru, em parceria com PNUD,
  • Virada Política de São Paulo, em parceira com jovens articuladores de redes,
  • Semana da Democracia de Curitiba em parceria com o Instituto Atuação,
  • Evento Emergências no Rio de Janeiro em parceria com o Ministério da Cultura.

Além de todas essas apresentações presenciais e a articulação de rede que elas representam, três webinars foram ofertados em parceria com Alianza Américas para lideranças latino-americanas que trabalham com o tema, com a intenção de que estas utilizem os cenários em seus planejamentos estratégicos. Diversas outras organizações também estão utilizando-os para subsidiar seus planejamentos estratégicos, entre elas as fundações apoiadoras do projeto.

Todo material criado pela equipe de cenários, incluindo relatório completo, apresentação executiva, guia estratégico de condução de diálogos e o vídeo estão disponíveis no site do projeto, e até o momento foram feitos mais de 400 downloads.

Os cenários possibilitam o desenvolvimento de uma plataforma regional de diálogo e criação de ações coletivas. Atualmente, estamos em fase de divulgação Confira nossa agenda para 2016 e participe.